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segunda-feira, 11 de julho de 2011

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foto: exposição Escher CCBB, com a licença das modelos ...


O que nos motiva? (parte 2)

Novos estudos mostram que buscar independência, conhecimento e engajamento valem mais que dinheiro. Saiba como nossa motivação evoluiu e como isso pode melhorar as próximas escolhas da sua vida

por Rafael Tonon

ENGAJAMENTO

O QUE É: saber que o que você está fazendo tem um sentido maior e é indispensável para que algo possa ser realizado. Pode ser na ONG que quer salvar seu animal silvestre preferido ou em uma montadora que faz carros de que você gosta.

COMO USAR: entender onde o seu trabalho ou sua atividade se encaixa dentro da organização. Ao ter consciência que seu desempenho impacta no resultado geral faz com que você queira exercer sua tarefa ainda melhor.

OUTRO JEITO

No princípio, os homens só queriam o que gostavam: sobreviver. Conforme formamos sociedades mais complexas, ao ter que cooperar com desconhecidos para alcançar objetivos, uma motivação biológica se mostrou ineficaz. Surgiu então um novo paradigma de comportamento: prêmios e punições — qual atitude merece o quê varia conforme o tempo e o espaço. A princípio, você repete algo que lhe dê uma recompensa (trabalhar, que dá dinheiro) e é pouco provável que repita o que gera punição (fazer um interurbano de celular, que tira dinheiro). “Configuramos nossa sociedade e construímos nossa vida em volta dessa verdade inabalável de que o melhor jeito de aumentar a produtividade e encorajar ações é recompensar os bons hábitos e punir os ruins”, diz Daniel Pink, autor do livro Motivação 3.0, lançado no início do ano no Brasil. E essa forma de encarar a motivação sempre funcionou bem, muito bem. Até que mudanças no sistema econômico e o uso da internet trataram de exigir de nós novas competências e, assim, expor algumas de suas falhas.

A primeira delas, e talvez a mais fundamental, é em relação à própria natureza da motivação. Fatores extrínsecos, como gratificações em dinheiro, por exemplo, até então considerados mais efetivos na hora de incentivar alguém a ter bons resultados, passaram a se mostrar menos eficazes. Estudiosos começaram a comprovar que a motivação tem uma relação muito mais próxima com desejos internos. Um exemplo é a cultura de open source (código aberto). Quando a Wikipédia foi anunciada, em janeiro de 2001, muitos críticos previam que o projeto não deveria ir longe: como fundar uma enciclopédia virtual feita de forma totalmente colaborativa sem que ninguém receba para criar e editar verbetes e definições. Sem grana envolvida, a maior enciclopédia do mundo não poderia passar de utopia, pensavam.

Dez anos depois e com muitos projetos e código aberto em vigor (desde livros de culinária a carros criados por coletivos de designers), está comprovado que a motivação pela recompensa não era só humana, mas econômica. O professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology) Karim Lakhani e o consultor do Boston Group Bob Wolf organizaram um estudo com 684 desenvolvedores de projetos de código aberto sobre o que os levava a integrar essas iniciativas. Depois de várias respostas, a conclusão era que as pessoas se sentiam criativas quando trabalhavam nelas. Corrigir informações erradas de um verbete, traduzir e legendar séries antes de entrarem na grade dos canais por assinatura ou até criar um site gratuito capaz de reunir o noticiário de centenas de jornais de todo o país permite aprimorar capacidades e melhorar a reputação. E até dar um upgrade no currículo para procurar novos empregos em que possam ganhar mais.

Isso não significa que dinheiro tenha deixado de ser importante. Ele continua sendo a principal recompensa das horas de trabalho e dedicação. “A questão é que esse tipo de recompensa, sozinha, pode acarretar uma espécie de alquimia comportamental: ela pode transformar uma tarefa interessante em um fardo, converter lazer em trabalho. E, ao diminuir a motivação intrínseca, derrubar o desempenho, a criatividade e o engajamento como dominós”, diz Pink.

Pegue um designer que ama seu trabalho e faça a remuneração dele depender da venda de um produto. A tendência é que ele trabalhe como um maníaco no começo, mas perca o interesse a longo prazo. Porque, com o passar do tempo, a recompensa (seja ela em dinheiro ou não) se incorpora à tarefa. E a pessoa não vê mais desafios para conquistá-la, o que a faz perder todo o interesse. “Muitos usam recompensas como forma de aumentar a motivação das pessoas. Mas isso tem um custo: minar a motivação intrínseca para aquela atividade” escreve o cientista Jonmarshall Reeve no livro Understanding Motivation and Emotion (Entendendo a Motivação e a Emoção, sem edição no Brasil). Isso porque a recompensa faz as pessoas ficarem tão focadas no prêmio que elas falham justamente em mostrar e desenvolver suas melhores aptidões, como a criatividade. As motivações extrínsecas podem parecer eficazes. Mas só no começo. Depois de um tempo, acabam tendo um efeito contrário, negativo. “Fixar em uma recompensa imediata pode afetar a nosso desempenho a longo prazo”, diz Pink.

DINAMISMO

O QUE É: em uma sociedade em que as coisas acontecem rápido, queremos sempre estar aliados com as mudanças e novidades que ocorrem à nossa volta, buscando não fazer sempre a mesma coisa da mesma forma.

COMO USAR: tentar se colocar desafios, questionar como as coisas estão sendo feitas e propor novos métodos para realizá-la. Até mudar de áreas de vez em quando. Um novo emprego, uma nova faculdade, uma nova rotina: tudo isso é indispensável para estarmos em constante progresso.

QUAL É A SUA?

Isso não significa que o modelo baseado em recompensas seja totalmente falho. Há situações, como aquelas que exigem um trabalho mecânico, e não tão cognitivo, em que é eficaz. A questão é que, sozinho, ele não abarca os fatores necessários para fazer as pessoas trabalharem com anseio. “É inconcebível achar que somos motivados somente por incentivos externos. Temos motivações maiores”, afirma Pink, que, por meio de seus estudos, chegou ao que ele considera os três grandes fatores motivacionais: independência, conhecimento e engajamento.

Por isso, cada vez mais as empresas que estimulam esses fatores intrínsecos de seus funcionários são mais valorizadas pelos profissionais, principalmente os da Geração Y. Esses últimos já cresceram sabendo que esses fatores são bens importantes quando o que se está em jogo é a satisfação. (E, não coincidentemente, são essas as empresas que mais prosperam no cenário atual). Companhias como Google e Facebook já tiveram suas famas propagadas por permitirem horários flexíveis e possibilidade de integração de grandes projetos, para ficar em alguns exemplos.

Mas há outras empresas despontando no mercado que pretendem mudar a forma com que nos relacionamos — e nos motivamos — pelo nosso trabalho. Uma delas é a 37signals, empresa de software fundada pelos programadores americanos Jason Fried e David Heinemeier. A empresa se tornou uma referência não por oferecer salários milionários nem por permitir que seus funcionários tenham 90 dias de férias. O diferencial é que eles investiram na motivação e na forma como os funcionários aumentam sua produtividade. No escritório da empresa, o tempo é administrado por cada um: não existem horários, cada um aparece na hora que deseja e faz o seu trabalho como acha melhor. “Claro que os resultados são cobrados, mas a liberdade que eles têm para fazer um ótimo trabalho é mais valiosa, e mais difícil de alcançar, do que um aumento salarial” escrevem eles no livro Rework (Retrabalho, ainda não lançado no Brasil), que propõe uma nova forma de enxergarmos as relações de trabalho. “O controle só inibe boas ideias e a criatividade. Por isso, resolvemos substituí-lo pela autonomia. Assim, mostramos aos nossos colaboradores que temos confiança plena neles e, diante dessa responsabilidade, eles se esforçam mais para apresentar bons resultados.”

A independência ainda gera um outro fator motivacional importante: o engajamento. Quanto mais envolvidas as pessoas estão, mais tendem a se sentir motivadas. Isso passa pelo ambiente de trabalho, claro, mas pode influenciar alguém a tocar clarinete ou fazer parte de um grupo de dança também. Um estudo desenvolvido pelo Instituto Gallup no ano passado nos EUA concluiu que mais de 50% dos profissionais americanos não se sentem engajados no trabalho — o que leva a US$ 300 bilhões de prejuízos por baixa produtividade. “O desejo de se fazer algo porque você acha que é profundamente satisfatório e pessoalmente desafiador inspira os altos níveis de criatividade, seja nas artes, nas ciências ou nos negócios”, afirma a professora de Administração de Negócios em Harvard, Teresa Amabile.

O segundo principal fator de motivação é o conhecimento — o que Pink chama de “domínio”. É a habilidade plena que a pessoa tem sobre alguma atividade, um talento que pode ser trabalhado e aprimorado. A professora de Psicologia na Universidade de Stanford Carol Dweck tem estudado fatores de motivação por quatro décadas e considera o domínio um dos primordiais, porque ele é capaz de nos oferecer realização. “Nossas crenças sobre nós mesmos e a natureza de nossas habilidades é que determinam como interpretamos as nossas experiências. E podem definir os limites para o que nós realizamos”, explica. O domínio nos motiva porque ele não é inerte, é algo que precisa ser sempre alcançado, com perseverança e determinação. Além de algum sofrimento, já que é resultado de intensa prática por anos e anos. É aquela nossa necessidade de estar sempre em busca.

ALGO MAIS

A independência e o conhecimento são a chave para o terceiro e último fator de motivação defendido por Pink: o engajamento. A capacidade de enxergar naquilo que fazemos — de um texto para uma revista à coleta seletiva dentro de casa — um sentido maior.

É esse propósito que leva milhares de voluntários a escrever, editar e moderar a Wikipédia. Porque sabem que uma hora de escrita pode beneficiar milhares de outras pessoas que usam o site para pesquisar. “Pessoas com autonomia para realizar tarefas em pleno domínio de suas capacidades podem alcançar ótimos níveis de resultado. Mas aquelas que o fazem a serviço de algum objetivo maior podem alcançar ainda mais”, afirma Pink.

É por isso que há, hoje, uma tendência a se falar e agir em prol de conceitos como sustentabilidade e coletivismo. As pessoas se sentem imbuídas a fazer parte de algo que pode ser representativo não apenas para elas, mas para seus filhos, amigos, vizinhos, enfim, para o mundo. Por isso está se tornando cada vez maior a cultura de iniciativas capazes de agrupar pessoas em prol de um interesse comum. É o caso do “churrasco da gente diferenciada”, o protesto organizado na internet contra a mudança de uma estação de metrô em São Paulo.

Em uma das mais comentadas palestras do TED, a maior convenção de ideias do mundo, que acontece anualmente na Califórnia, o professor do departamento de Psicologia da Universidade de Chicago, Mihaly Csikszentmihalyi, propôs uma pergunta à plateia: “O que faz a vida valer a pena?”. Em 15 minutos de apresentação, ele chegou à seguinte conclusão: “Não se pode levar uma vida excelente sem o sentimento de que se pertence a algo maior e mais permanente do que a si mesmo”. Talvez seja esse o propósito maior da nossa motivação. Além de atender às nossas necessidades biológicas de sobrevivência, de sermos recompensados por aquilo que fazemos bem-feito e realizar com autonomia algo que importa, precisamos ter a sensação que o que queremos e do que gostamos tem um significado. E isso realmente dinheiro nenhum pode comprar.

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